O Anticristo
por Julian SA
Lá vinha eu, na garupa de meu pai. Minha mãe ia logo à frente, absorta em pensamento com a pregação do pastor, enquanto pedalava sua bicicleta de cestinha. As palavras do sacerdote me intrigaram, então, pedi a opinião de meu pai.
— Meu pai, o senhor acredita no tal Anticristo?
— Sim, meu filho.
— Ele dominará o mundo, mesmo?
— Sim, meu filho.
— Como pode, se ele falará em nome do Inimigo?
— Ah, não! — meu pai riu. Minha mãe soltou um muxoxo como se estivéssemos atrapalhando seu raciocínio — Muito pelo contrário, meu doce. O anticristo virá em nome de Cristo! — e riu novamente. Soltei um suspiro de espanto. — Sim! — gargalhou.
— Ele virá como um falso diplomata. Atiçará o que há de mais ruim nos corações dos Homens. Ah, sim, meu filho, o Homem sabe ser bom, mas não é de todo, bom. O anticristo os conquistará empunhando um estandarte falso de justiça para inflamar o espírito do povo que se vê injustiçado. Fechará os olhos dos que pouco leem a Bíblia ou sabem interpretá-la. Ele atacará o âmago do povo. Mexerá com o orgulho, a vaidade, a ira e por aí, se vai… sentimentos esses que todos possuem, uns mais, outros menos. Sentimentos esses que há muito tempo Cristo quis que suas ovelhas extirpassem, mas, hoje, as palavras do Cristo são apenas ecos vazios, timbrados nos templos, palavras de pouco sentido no ouvido daquele que escuta. O povo se emocionará, aplaudirá e brandirá em apoio ao anticristo. O homem pregará o medo e o ódio. Ele conquistará as pessoas pelo temor, mostrando-as o quanto terão a perder se não se juntarem a ele, e quão odiosos e maculados é aqueles que se opunham a ele. O homem então atacará tudo e a todos, não com armas, mas com palavras. Seu rebanho o acompanhará. Os de fora serão como o cisco que deveria ser removido pela mão de Deus, sem que os de dentro notem o tamanho da trave que cegam seus olhos.
Jesus andou entre a ralé do povo, entre os poucos. O anticristo os atacará. Jesus falava de compaixão. O anticristo ameaçará aqueles diferentes, tratando-os como os fariseus tratavam a escoalha. Jesus falava de amor. O anticristo desrespeitará os dessemelhantes. Jesus falava de apaziguamento. O anticristo trará a ira sob o que pensa de maneira diversa. O anticristo falará de bons costumes, mas terá lábios maculados. Ele falará de família, mas seus casamentos deixariam Moisés em vergonha. Ele falará de vida, mas semeará a morte. Seus lábios terão Cristo, mas pouco terá seu coração. O Filho de Deus nunca portou arma. O Filho do Homem nunca falou em nome do ódio. O verdadeiro Messias sempre caminhou entre os doentes e nunca entre os ditos saudáveis. O anticristo conquistará o povo e até seus sacerdotes. Sacerdotes esses, cabritos em pele de cordeiro. Homens que se dizem pastorear em nome de Deus, mas que pastoreiam para si próprios. Haverá discórdia. O pequeno será tratado com indiferença, com ira, com desrespeito, com preconceito, com perseguição — meu pai fez uma pausa. Eu engoli em seco, o que lhe foi audível. — É meu filho, o mundo é para os fortes!
Pensei naquilo a noite inteira. Temi por alguns dias. Anos depois percebi que meu pai não se diferia, muito, daquele que pregaria através do medo. Tudo bem, meu pai estava no meio de tudo aquilo e não percebia muito do que fazia e falava. Anos se passaram e nunca vi o anticristo surgir. Contudo, tudo o que meu pai falou acontecia a todo o instante e os ditos de Deus pouco percebiam. O Anticristo é uma profecia verdadeira? Ele será um homem ou a própria humanidade? Será que aparecerá um governante com a bandeira do Anticristo camuflada com Cristo? Fico pensando sobre isso… vai saber se ele já não está entre nós!
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