Pai, explica-me..., por Julian SA

 Pai, explica-me...

por Julian SA

    Cansado, após um longo dia de trabalho, por fim chego em casa. Por algum motivo que pouco sei, comecei a cantarolar a música do Chico César. Caramba! Não lembro de como e desde quando cantava tal música. O meu dia foi corrido. O mundo anda acelerado e por tudo o que está acontecendo com o país, rente a tanta contradição — pelo menos assim vê, minha humilde visão —, que nossos atos fogem do controle consciente.
    Para falar bem a verdade, conheço apenas o refrão dessa música, nem o nome conheço, ela se canta assim:
    “Deus me proteja de mim
    E da maldade de gente boa
    Da bondade da pessoa ruim
    Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim".
    Linda, a música. Cheio de significados. “Deus me proteja de mim”, pois bem conheço minhas falhas. “E da maldade de gente boa”, pois bem sei das pessoas que levantam a bandeira do bem, mas querem meu mal. Bem sei também que nem elas próprias reconhecem o mal que fazem em pró do bem. “Da bondade da pessoa ruim”, e não têm aquelas que fazem o bem, mas desejam o nosso mal? “Deus me governe e guarde, ilumine e zele assim”, bom, nem preciso falar sobre esse iluminado final.
    Por alguns instantes meus olhos marejam. Vem-me à cabeça a maldade do mundo, maldade essa que muitas vezes nem os praticantes reconhecem. Pus-me de joelhos, rente a cama, por fim iniciei uma conversa com Deus:
    “Pai, explica-me, peço-lhe: por onde anda o bom povo pregando em favor da vida, mas fecha os olhos quando vê uma criança de rua? Pai, estou assistindo gente do seu povo levantando bandeira com dizeres de ‘que não aceito sustentar a região x do país’, de que o desejo dessas é de ver tal povo vir para nossas regiões para pedir auxílio e dar-lhes negação, de que merecem hostilidade por suas escolhas em desejo de ter do que comer… Pai, por onde anda o seu povo apaziguador, que no mundo da informação, usam a comunicação para atacar os próprios irmãos de criação? Pai, onde está o respeito? Onde está a irmandade? Como aceitam o César afirmando que mulher deveria receber menos por conta de sua gravidez? Como aceitam o César que deixa bem claro que não estupraria uma mulher por conta de ela não merecer? Como aceitam o César que diz preferir filho ladrão ou morto do que homossexual? Como aceitam o César que bate no peito e diz que homossexual é falta de surra na infância? Como aceitam o César que diz que seu filho, Jesus, usaria arma, caso existisse revolver em sua época?
    Não foi Jesus que curou a orelha do soldado romano que o capturava para a morte? Raça de víboras, meu Senhor! Peço-te perdão por minha palavra, mas me afogo com tal veneno todos os dias. Nosso César não matou mais de 700 mil pessoas diretamente, mas matou indiretamente. Ele não zombou de que ‘se quiséssemos correr o risco de virarmos jacaré, que tomássemos a vacina’? Em meu braço direito carrego uma marca, uma marca que me diz que hoje não corro o risco de tuberculose. A história nos mostra os enfermos que nossos irmãos de criação passaram durante milênios por conta de doenças. O que dizer da ‘peste-negra’? — peço perdão pelo termo. Em plena crise de saúde, ao invés de acalmarmos e nos dizer que medidas estavam sendo tomadas, não foi dito que César ‘não era coveiro’? Ele não imitou um ataque respiratório como se fosse uma besteira qualquer? O tal não receitou medicamentos anticientíficos como se fosse médico?
    “O povo que apoia o tal César, levantando o estandarte de Cristo, parte condenava seitas secretas, hoje apoiam César independente se ele estava ou não dentro de uma. Esse povo, que se diz ser seu, levanta a bandeira do falso testemunho. Tomam como ladrão outrem, mas não tratam o César com o mesmo crivo, como se o tal não se envolvesse com o larápio. Onde estão os bons costumes, se aceitam César se proclamando incapaz de sofrer com disfunção erétil, em pleno dia de comemoração da independência do país, rente às vistas do mundo e das criancinhas que tanto protegem…? será que sabem que o tal César já quis abortar um de seus filhos? 'Oh, Deus, perdoe esse povo que fala do cisco em meu olho sem notar a própria trava nos próprios'. Falam sobre o aborto; são a favor da vida, mas não movem um cisco para ajudar alguém na rua. Falam de perseguir Cristão, mas nunca na história um governo sequer, perseguiu tal povo — pelo menos não desde a redemocratização do Brasil e no Brasil.
    Não foi César que, em nome dos Cristãos — a maioria dos brasileiros, assim salientou —, disse que as religiões menores deveriam se curvar para eles? A liberdade não é para todos? Alguém sabe o que a ONU significa? As Diretrizes dos Direitos Humanos que impede que alguém como Hitler interfira em minhas crenças? Falam de Comunismo, mas nem sabem quem foi Karl Marx ou o que falava.
    Aquele que eles atacam nunca trouxe o comunismo. O país nunca cresceu tanto quanto durante aqueles oito anos.     Lembro que meu pai sustentava minha mãe, meu irmão e eu, quando não tínhamos nem 10 anos de idade, e ainda sobrava dinheiro para o lazer. Hoje em dia, se o casal não trabalhar, juntos, vão para a sarjeta com ou sem filhos. Em tal época ninguém falava de comunismo. Hoje o povo diz que comunismo e nazismo são as mesmas coisas. O falso testemunho virou o novo normal. A desinformação corre desenfreada. Ninguém abre um livro para ler. O preconceito só mudou de cara e de nome. Jesus furou a bolha, pois pregava entre as minorias, mas hoje o seu povo se contenta em pregar para os seus.
    Se não furam nem a bolha para fazer novos prosélitos, imagina para procurar informação que os ferem. Por isso Cristo morreu, pois ele feria aqueles que não furavam a própria bolha. Cristo feria os detentores da verdade, os fariseus, os senhores do saber. Se Cristo nos viesse, hoje, com outra aparência, pregando o que pregou, seria crucificado novamente. Se Deus pusesse o povo em uma peneira, poucos permaneceriam pendurados. Se eu manifestasse esse desabafo, com toda a certeza eu seria mais um crucificado”.

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