A pergunta sobre por que Deus não nos criou perfeitos atravessa religiões, sistemas filosóficos e tradições espirituais há milênios. No entanto, quando vamos além das respostas prontas e realmente enfrentamos o tema de frente, percebemos que o problema não é apenas teológico — ele é existencial.
E a minha reflexão começa num ponto bastante simples:
se nascêssemos 100% livres e 100% perfeitos… não seria tudo um grande tédio?
Essa ideia me acompanha desde a infância, quando amigos evangélicos explicavam que a eternidade no paraíso seria dedicada exclusivamente ao louvor e adoração de Deus. Além de soar como um Deus que exige reconhecimento constante, algo que sempre me pareceu estranho, há ali um problema prático: o tédio eterno.
Porque, sejamos francos:
se seres humanos que vivem apenas 70 anos já podem perder o sentido da vida aos 30, ao ponto de desejarem a morte, imagine viver para sempre com apenas um único objetivo imutável. Uma eternidade estática, sem variações, sem contraste, sem desejo — seria, ironicamente, um tipo de inferno psicológico. Um vazio eterno. Um looping infinito de consciência.
E talvez seja justamente por isso que a ignorância, a imperfeição e a vulnerabilidade façam parte da condição humana.
Não como falhas, mas como possibilidades.
A imperfeição cria movimento.
A dúvida cria busca.
O erro cria aprendizado.
A dor cria contraste.
E o contraste cria consciência.
Talvez seja isso que realmente nos permite viver — de verdade — pela eternidade: a experiência do crescimento. A ideia de uma “escola da vida” não como castigo, mas como condição natural de existir.
Mas ainda sobra uma pergunta inevitável:
Se Deus é onipotente, por que não nos criou perfeitos desde o início?
Por que não 100% perfeitos, 100% livres e com um propósito eterno já garantido?
Ao pensar sobre isso, percebo que talvez essa expectativa seja exigir algo logicamente impossível. Um paradoxo semelhante ao famoso dilema da pedra indestrutível:
um ser onipotente pode criar uma pedra tão pesada que Ele mesmo não consiga levantar?
Qualquer resposta destrói a própria ideia de onipotência.
Da mesma forma:
Se Deus cria seres perfeitos, eles seriam iguais a Deus.
Se são iguais a Deus, Deus deixa de ser único — e então deixa de ser Deus.
Perfeição criada é, portanto, um conceito autocontraditório.
É como pedir para criar um círculo quadrado. Não é falta de poder — é impossibilidade lógica.
Criar significa limitar, e tudo que é limitado não pode ser absoluto.
Ser criado é, por definição, ser finito.
E o finito, por definição, não pode ser perfeito.
Assim, talvez não sejamos imperfeitos por punição, nem por queda, nem por desobediência, mas simplesmente porque existir como criatura implica não ser Deus.
E é justamente nessa limitação, nessa mistura de ignorância e liberdade, que se enraíza o sentido da experiência humana.
O contraste entre luz e sombra nos permite ver.
A dor permite reconhecer a paz.
A morte permite entender a vida.
E o erro abre espaço para a liberdade.
Talvez, paradoxalmente, seja nossa imperfeição que nos permite existir.
Por fim…
Sendo ateu, resta-me apenas confabular sobre a possível existência de algo maior — não por fé, mas por esperança intelectual — na expectativa de que meu ateísmo seja apenas um erro temporário, um equívoco humano que será corrigido após a morte. Se houver algo além, que seja grande o suficiente para me surpreender. E, se não houver, ao menos vivi tentando compreender o mistério da existência com honestidade.
Julian SA

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